O Amor e a Vida



E o Tempo fecha suas comportas, parando o mundo, quando Santiago sai do escuro e dá de cara com Alice. O clarão, vindo da Lua, emoldura os corpos, frente à frente, no brilho e no cheiro da pele que respira por inteiro o estado ao vivo e em cores. Ela, com jeito agreste, enrosca pelo ombro encabulado e ele sorri "amarelo", na continuação dela. Silenciados de frases e complementos, absortos no pisca-e-abre do olhar curioso de se ver por inteiro, apenas sorriem. Enquanto se escaneiam, ao redor, emudecido e estagnado feito estátua, o Mundo Imperativo assiste ao espetáculo humano audacioso.

Foi Alice quem primeiro tocou levemente sua boca na dele, minutos depois. Seja bem-vindo à minha vida, meu bem!! - foi só o que disse a ele. Santiago sorriu com os olhos e retribuiu o roçado, num jeito satisfeito, ainda que meio de lado, com covinha na bochecha e tudo.

- Temos que ir – ela interrompeu – o céu ta escuro, vem chuva por aí.

Mas o destino, que tem pressa e por isto não deu trégua, embananou o caminho, aproveitando, quem sabe, do efeito enebriante que a emoção trazia. Pois, o que era para ser percorrido em linha reta, se abriu em círculos e viadutos, num sobe-e-desce de estradas cada vez mais confuso. Eles já tinham andado por horas, no "é aqui, é ali", até se darem por convencidos que estavam ao contrário da Cidade-Porto. E quando, madrugada alta, cansados, encontraram um lugar para parar e por as ideias e o rumo no prumo certo, foram recebidos por um sujeito sonolento, grudado na bíblia, para falar o que o destino queria:

- Vocês estão com sorte – arrematou. Só tenho um ultimo quarto e é de casal.

Aquilo não estava nos planos. O combinado era se descobrirem e se encontrarem no tempo de cada um...se este fosse o tempo certo. Mas o moço, que esticou a mão e entregou a chaves, se despediu sonolento, trancando o hotel lotado.

- Eu vou beber alguma coisa – disse Alice, assim que a porta se fechou.

Mas foi só quando entrou no quarto, depois do banho, que alguém, bem de longe, ligou o som e impregnou o ambiente. É a nossa música - concordaram, quase que instintivamente. Alice dançava, rodopiando, rindo e brincando. E foi numa dessas voltas que se virou, viu Santiago aos seus pés, sorrindo.

- Linda – ele disse. Você é linda!!

Então, ela parou e se ajoelhou junto e em frente a ele. E, como se quisesse se embriagar, sugou-lhe o cheiro do peito até o rosto. Frente à frente, ele a beijou pela primeira vez e desta vez, enlaçando-a pela cintura, nas mãos pelas costas, pelos cabelos, ele homem e ela sua mulher, encharcados um no pêlo do outro, em meio a cheiros, suores e a terra molhada da chuva que caia pela janela. De certo, dois seres lavados de suas dores, saudades, medos. Desnudados de complexos, conceitos e preconceitos, numa entrega lenta e saboreada, perfeita como todo Amor deve ser. Estava sacramentada a união dos que um dia estiveram separados, sabe-se lá por quê. Por isto, depois daquele, muitos dias amanheceram e anoiteceram, e com eles risos, emoções, descobertas, num amor doce e intenso, no cheiro do café coado, das panelas fervilhando, temperos na mesa posta.



Mas, tudo que tem princípio, tem meio e fim. E assim, o último dia, a despedida, também chegou. Isto porque ambos seguem horas, horários, contas que vencem, gente que espera, muita gente... Ambos sabem as marés de cada um.

Alice reconhece a exatidão do tempo. Santiago acha que as certezas têm que ser escritas como cartório, porque já andou a esmo demais. Na realidade, ninguém sabe nada de nada. A vida cobra, o tempo ri: buscar certezas a onde? Chega a ser inexato fugir da dor se esta faz parte do prazer. Mas é o que buscam!! E quem aqui, em sã consciência, dirá que estão errados? NInguém tem tempo a perder e todos se perdem no tempo. Mas voltemos. Eu só quero contar a história e não analisar o certo e errado de cada um.

Só tenho a dizer que Santiago voltou para seu canto e Alice para o dela. Como a vida é. Tum-tum-tum tem que se acomodar e esperar. Até que os pingos estejam nos is. O que acontecerá, só o tempo tem para demonstrar com certezas. São tantas buscas, todo mundo cansado de errar... Tem tudo pra acontecer, mas tem muito pra se jogar pra cima pra que tudo aconteça. Porque no mundo e na hora todos tem no compromisso o que cada um fez da vida.

Aqueles dias, em que foram apenas um, capazes de abraçar o destino e serem humanos, naturalmente humanos, agora clamam pela exatidão das cartas certas, a minimização de erros. E a roda da vida, implacável, ri desta besteira toda, dizendo que, no fim da vida, o que conta são as plenitudes vividas e não as coisas acumuladas.

Feliz, cumprida a missão por ter dito e feito o que queria, a Vida, irmã do Destino, retorna ao seu ritmo normal, com buzinas de carros e celulares que tocam sem parar, e deixa os amantes no tempo de cada um. Eles se vão, misturados ao zum-zum-zum das abelhas, dos cavalos desembestados, dos profetas, dos pássaros de fogo, as estrelas e do Tempo, do beijo soprado pelas palmas das mãos, dos sussurros e dos medos, do Rio e do Mar; agora atendendo aos chamados...

Até Deus volta a cuidar de outros incautos, pra quem sabe, tentar 70 vezes 7 mostrar o que ninguém tem coragem de ver. Foi Ele quem criou o mundo, mas este anda sozinho. É o jeito moderno de sobreviver. Ironia, não é? Muita ironia!!


- Tudo junto e misturado -

F I M
da primeira parte

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