O último desencontro




A culpa de eu amanhecer dormente é da morte, de novo, que veio bater na minha porta.


Pra onde olho tem os amigos dela e estou sem espaço. Lá no meu quarto, a cama fria recebe em vez de mim, a angústia refestelada debaixo do cobertor. Na cozinha, pelo quintal, nos cantos mais miúdos, o silencio no vazio perene. Tem muitos assombros na minha casa e eu não sei mais chorar pra afastá-los. Agora, sou covardia em pessoa. Queria fechar em mim, estar somente pra mim, falar só pra mim. Mas não posso. Tenho que sair daqui e ir lá.

Ir presenciar a amargura da perda, dar de cara com o passado, refazer e desfazer histórias. Enterrar os segredos.

Sei que meu coração vai se partir em mil pedaços ao ver a dor do meu filho chorar sobre o corpo do pai. Um pai que meu menino sempre quis, que marcou muitos encontros e faltou a quase todos eles. Um pai imensamente esperado em muitos natais, muitos aniversários, em todas as suas conquistas. Um homem perdoado pelo que não foi e, mesmo assim, não soube viver isto.


No hospital pediu: “morre não, pai, fica aqui, vamos marcar um encontro de verdade e vê se desta vez você não me dá bolo”.

Mas ele se foi. Deu outro bolo. O último e o mais doloroso de todos.

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